quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

A PROPÓSITO DOS DITOS THUGS

Vista aérea sobre a Praia

Vista aérea da Cidade da Praia / Prainha, bairro nobre da Cidade da Praia

A PROPÓSITO DOS DITOS THUGS:QUE TAL A REINVENÇÃO DA NOSSA CIDADE DA PRAIA MARIA PIA, CAPITAL DE CABO VERDE, ENTRE OUTROS, MUDARMOS OS NOMES DE ALGUNS DOS NOSSOS BAIRROS?

Por Nataniel Semedo da Silva, residente no Estado de São Paulo, Brasil e ex pastor da Igreja do Nazareno no bairro da Várzea da Companhia, Cidade da Praia.

Queria começar esta minha reflexão descrevendo amiúde as brechas da nossa capital a arrebentar de stress profundo!Tendo a famosa Praia Negra como referência, da enseada da cidade para o interior temos de um dos lados, tangentes aos enormes diques(chamados nem sei exatamente porquê de Avenida) construídos após o 5 de Julho de 1975 para impedir que as águas das cheias avassaladoras em épocas de chuvas torrenciais submirjam a parte baixa da cidade, os tradicionais bairros do Plateau (promontório situado à beira mar e centro histórico da cidade), Fazenda(um dos mais organizadinhos da urbe), o labiríntico bairro da Achadinha Acima(que alberga os insalubres Brácu Txeu e Ponta Chicharro), Ponta Tâmara (hoje um dos símbolos tristes), descendo um pouquinho Pensamento (periférico até os mais profundos e últimos pensamentos) e Trindade(ainda a conservar a graça de certo verde).Do Pensamento, atravessando o cobón(aliás, sanitário público e aterro poluente a céu aberto), agora do interior para a bacia da cidade temos São Martinho, São Pedro, Benecha ou em português Veneza(que da sua célebre congênere italiana apenas guarda o nome), Latada, todas estas comunidades(só lembradas em dias de festejos com comilanças e bebelanças e quando abertas as temporadas da caça de voto político)situadas para lá do afunilar da “Avenida”.Os braços dos quilométricos diques em sua extensão “protegem” depois Calabaceira (praticamente sem descrição possível)“Tchetchênia”(talvez uma “homenagem” ao reduto caucasiano do mesmo nome que luta ferozmente pela sua independência da putínica Rússia, Safende(cuja origem do nome simplesmente desconheço), Cruz Marques, Vila Nova Acima (envelhecida de doer), Moinhos em Vila Nova Abaixo(do célebre moinho de vento literalmente entulhado depois de servir de “túmulo” putrefático por inúmeros dias de Bakuba execrávelmente assassinado, Lém Cachorro (olhem só!), Paiol (com certo cheiro a pólvora), Coqueiro (das sombras de coco para alguns sim e outros não), Castelão(o qual os nobres e fidalgos esqueceram), Achada Mato(por nossa gente habitável porém!) mais um outro Lém, o Ferreira...onde o dique beija as águas fétidas da Praia Negra, vizinha a uma poluente fábrica de refrigerantes.A Cidade da Praia não é a Cidade das Sete Colinas como era também conhecida Roma na antiguidade mas é uma urbe com uma topografia curiosamente peculiar.Vejam só quantas Achadas (Santo António, Grande e Frente, Mato, Monte das Vacas,Palha Sé, Eugénio Lima, São Felipe(e correndo o risco de esquecer algumas), Achadinhas (Acima, Baixo, Pires, Bairro “Craveiro Lopes”- outra vez “Craveiro Lopes”depois de tantas vezes ter tido o nome trocado, entre os quais Kwame N’krumah), Ladeiras (Sampadjudu, Travessa de Vila Nova), Pontas(Tâmara, Chicharro),Cobons (da Várzea, Fundo Cobón, Mendi).Uma cidade quase toda ela geograficamente caraterizada por belos planaltos, colinas, ravinas, falésias e vales, entretanto, chamadas(e por que carga de água, não sei!)de achadas, achadinhas, ladeiras, várzeas, léns, chãs, pontas e cobons, tudo isso com algum quê de pejorativo pelo menos implícito(um “festival” para onde e para o que o nosso imaginário quiser nos levar).Certa ocasião, uma francesa em visita à nossa capital segredou-me baixinho: “Praia c’ést une ville bizarre” (“Praia é uma cidade esquisita”).De qualquer modo temos, entretanto, bairros com nomes chique e nobres(alguns apenas e só o nome!) como o “francês” Plateau, Cidadela, certas partes do Palmarejo,Terra Branca, Bela Vista...que transmitem um certo ar de perfume(talvez apenas só isso mesmo, uma ilusão de fragrância).Resumindo a nossa capital:nos “Altos da Cidade” temos então o histórico e “europeu” Plateau, Monteagarro, outra vez as várias Achadas(que chatice!)Santo António(o mais populoso da cidade e de todo o país) que alberga tanto o burguês Prédio como o favelático Brasil apenas separados por alguns metros de distância, Grande e Frente(em conjunto o maior bairro em extensão territorial)) que precisaram recentemente de uma mediação de paz numa guerra entre grupos rivais, Mato uma das bases do verdadeiro exército cabo-verdiano, Eugénio Lima(de certa forma refém do mau gênio de alguns dos seus moradores e forasteiros), São Felipe(a um tempo rural e urbano), Ponta d'Água(a chorar de sede), as Ladeiras Sampadjudu (esmagadoramente habitada pelos também cabo-verdianos da ilha do Fogo) e Trabéssa (Travessa de Vila Nova) que num passado recente foi a “base-corte” de uma “tropinha” que se camuflava fardando-se de lacacã liderada pelo Zé “Delta” di Benícia e que brigava com os outros “exércitos” (talvez os “proto thugs”) dos diferentes subúrbios da capital cabo-verdiana, Achadinha Pires,Terra Branca (maioritariamente paicevista), o também labiríntico Tira Chapéu (incaracterístico e envolto numa pasmaceira, de não se lhe tirar o chapéu), o revoltante "Bidon Ville" de Casa Lata e ainda Monte Vermelho.Geograficamente nos “Baixos da Cidade, se assim podemos dizer, temos as Achadinhas (Acima, Baixo, Bairro Craveiro Lopes(de maioria mpdista), a área do mercado de Sucupira(o “coração comercial” da cidade), Tahiti(o outro “pulmão” da capital pelo seu verde exuberante juntamente com o Parque 5 de Julho), Santa Rosa(epicentro de uma revolta popular ao qual se juntaram os alunos numa sublevação que destruía tudo que encontrava pela frente ameaçando inclusive as autoridades, em especial os professores numa “ressurreição” do espírito beatnik), “Santaninha”(de agitações constantes), Várzea da Companhia que inclui os quase intransitáveis São Bento, a Zona da Floresta e alberga o Cemitério Municipal que ultimamente se transformou em “teatro de guerra” entre os thugs rivais aumentando ainda mais a dor dos vivos que choram os seus mortos e “matando o sossego” dos finados.Esta mesma Várzea da Companhia plantado em meio a um antigo arrozal invadido e no meio do curso das águas pluviais que a faz “boiar” sempre que chove na capital das ilhas, Prainha(o bairro residencial mais emblemático das ilhas), Chã de Arreia onde se localiza o belíssimo Gimno Sportivo "Vavá Duarte", Fazenda, Vila Nova(completa incluindo Moinhos), Lém Cachorro, Paiol onde fica um velho paiol construído pelo exército colonial português, Coqueiros, Castelão, Lém Ferreira e ainda os Cobons fétidos e inóspitos da Várzea, Fundo Cobon, Cobon Mendi e Fonton.Numa cidade ab initio sem correção orográfica, plano urbanístico e implementação de um lema coletivo e proativo que o alavanca e faz mover, um sem número de casas e casebres surgem num repente da noite para o dia, sem engenharia, sem arquitetura, erguidas sem arrojo e sem arejo de maneira insana e criminosa nas ladeiras, nas pontas, nos cobons e nos caminhos das águas pluviais(suspiros)!Nossa capital incha sem saúde, quase sem espaços verdes(com pulmões mínimos, portanto), sem água em quantidade e de qualidade, sem eletricidade, sem pão para todos, com exíguos e lúgubres espaços de lazer...com desorganização, perniciosas “guerrilhas partidárias bipolarizadas” nas comunidades, com desaneamento até à fetidez, nauseabundez e denguez(sério)!As exceções, uma “Outra Praia”(com algumas "bolsas de riqueza"!)a contrastar diametralmente com a velha e caótica Praia Maria Pia, temos os núcleos de Cidadela, Prainha, certo Palmarejo, Zona do Prédio e Meio de Achada de Santo António e outros projetos(isto mesmo projetos!) entre eles, o da "Nova Praia".A pressão terrível sobre a nossa capital que há muito arrebentou pelas costuras explodindo nas suas brechas desoladas favorecem(e de que maneira!) a criação de “monstros” que nós mesmos de certa forma ajudamos a criar e alimentar.A (des)configuração urbanística-topográfica, a profunda desigualdade social... mais a afronta da Eletra e “outras larvas” que se encubam por debaixo das pedras, dos pavimentos e do concreto de uma cidade sem cores e sem alma se constituem em “embriões” propícios também para o germinar e o desenvolvimento exponencial das células dos ditos thugs.Estas células, por vezes, podem apenas parecer estarem “adormecidas” mas que, entretanto, podem acordar raivosas a qualquer momento caso não forem “arrancadas na sua raiz”!1975 foi o nosso “Ano zero” para todos os efeitos.Temos tido algum progresso de lá para cá (entretanto manco, cego e surdo o que representa o seu quê de periculosidade).A juntar a um rosário de mazelas temos de “kompostura” esta impopular Eletra, um dos algozes dos cidadãos praienses em particular.Esta tal de Eletra, ainda que também roubada por uns poucos(atingida por fogo amigo, ou melhor, saqueada por gente da própria casa e pelos arrivistas aliados dos diferentes governos de Cabo Verde),constitui um corpo estranho no nosso meio, condenado bairros inteiros à escuridão, transformando zonas em zoras totais, autênticos esconderijos dos meliantes e potenciais thugs.As muitas “larvas”(de toda a espécie!) que se alastram pela cidade serão também os thugs crescidos que procurarão nos devorar.De fato temos demasiada periferia e insalubridade para não tanta cidade com pouco mais de 100.000 habitantes.O Dr. Felisberto Vieira, sociólogo e ex presidente da Câmara Municipal da Praia disse à bem pouco tempo que “Cabo Verde tem agitações sociais de baixa intensidade”(o que por enquanto pode até ser).Tenho por mim, todavia, que a hora atual, exige vigilância de todos nós.Quero levar à reflexão e consideração de todos os cabo-verdianos o descaso e a cunha, esta última a maior “Instituição” de Cabo Verde que vota ao desespero e à indiferença milhares dos nossos jovens e adolescentes, transportando-lhes para a marginalidade.Sonho(!) acordado com uma cidade com melhores e mais lideranças, com melhores e proativos liderados, melhores cidadãos no seu todo, com uma urbe mais humanizada e mais justa, portanto mais socializante, mais verde, mais afável, mais e melhor iluminada, com mais e melhor água em todos os bairros, com mais e melhor saúde, educação e segurança para todos, com mais e melhor família, com mais e melhor pão(também para todos), com menos lixo moral e físico, com mais civilização, com mais cidadania... e que nos ensina a sonhar, sonhar juntos e realizar em conjunto.Proponho a reinvenção do nosso país, a começar pela sitiada cidade da Praia, a nossa capital para todos os efeitos e defeitos(mesmo)!O que acham de mudarmos os nomes Achadas, Achadinhas, Ladeiras, Léns,Várzeas, Cobons, Pontas(que escondem "ameças"),Tchetchênias, afins e confins carregados de estigmas (já estou ouvindo o ranger dos dentes e o vociferar dos ultra conservadores!) por nomes que talvez elevem um pouco mais a nossa auto estima citadina, que constroem um novo “ethos praiense capitalino” trazendo consigo novos arquétipos(modelos) que nos fazem sonhar e sair do marasmo!Como disse anteriormente(e como todos, aliás, devem saber) os problemas de fundo da Cidade da Praia bem como de todo Cabo Verde são estruturais “in illo tempore”, são de vários e vários séculos.Vem da colonização que nos solapou e escravizou.Este desiderato e proposta(o qual submeto à análise e ao debate das nossa autoridades, cientistas sociais e humanos, líderes e formadores de opinião e de todas as forças vivas da nossa sociedade) minha de mudarmos alguns dos nomes de alguns dos bairros da nossa capital pode parecer um delírio onírico ou, quiça, romantismo radical eivado de utopismo em meio à apatia de um lado, selvageria algures e anarquia financiadas, sem falar do déficit de liderança que assolam o nosso mundo, o nosso país e a nossa cidade em particular.Precisamos de um Brasão vivaz, de bordões e de lemas citadinos que nos inspiram na caminhada e no labor bem como na realização dos nossos desideratos coletivos e alimentam a nossa auto-estima.Mais uma vez convido a todos ao debate.Que tal um plebiscito popular se essa idéia(e esse ideal!) de alteração do nome de alguns dos nossos bairros capitalinos crescer e aparecer?

Submetido Nataniel Semedo da Silva, cidadão praiense e cabo-verdiano, vivendo atualmente no Estado de São Paulo, Brasil.

Cidade de Bauru, 29 de Dezembro de 2011

* A divisa do Brasão de armas desta cidade onde eu moro é "Custos Vigilat" no latim, que significa "Sentinela Alerta" em português.


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