sábado, 22 de janeiro de 2011

CARTA ABERTA; NATANIEL SEMEDO DA SILVA


CARTA ABERTA

Nataniel Semedo da Silva
Residente no Estado de São Paulo, Brasil
Ex Pastor da Igreja do Nazareno durante cinco anos no periférico bairro da Várzea, Cidade da Praia.
Ex Líder das Tendas “El Sadday”- Centro de Resgate e Recuperação
De tóxico dependentes

EXCELENTÍSSIMOS SENHORES;
Líderes Civis e Eclesiásticos de Cabo Verde nas ilhas e na diáspora

A PROPÓSITO DE CERTA VIOLÊNCIA E CONSEQUENTE INSEGURANÇA
NO NOSSO PAÍS

«Exorto, pois, antes de tudo, que se façam súplicas, orações, intercessões e acções de graça por todos os homens, pelos reis, e por todos os que exercem autoridade, para que tenhamos uma vida tranquila e sossegada, em toda piedade e honestidade. Pois isto é bom e agradável diante de Deus nosso salvador, o qual deseja que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da verdade.
I Timóteo 2:1-4

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Saudações fraternais!

É nosso dever orar por aqueles que estão em eminência, exercendo autoridade sobre nós, se desejarmos colher os benefícios de um bom governo, acabando por ser ele próprio, um instrumento de Deus para o bem-estar da Igreja, da família e da sociedade, proporcionando assim o avanço do próprio Evangelho. Como pastor temos orado a Deus por vos, e isto também é nossa missão por excelência. Uma liderança sábia, zelando pelo bem-comum, de todos sem excepção evitando que o povo pereça é o que Deus requer de vós. Isto é a vossa nobre missão. Comecei a escrevi esta reflexão, um dia depois da capital de Cabo-Verde ficar ás escuras (o que sugere a violência), em que apenas Bancos, e quem sabe outros edifícios privados, apresentavam luz eléctrica. Resolvemos então escrever o que nos ia na alma.
Temos observado com alguma preocupação, como certa violência pretende fazer escola (e todos sem excepção vamos ter de batalhar contra isto!) no nosso pequeno e grande país. O meu propósito não é nem de longe tornar as pessoas intranquilas, mas sim lançar um alerta em como não podemos fingir que nada de extraordinário tem acontecido. Pretendo que conjuntamente possamos analisar e debater com responsabilidade e pedagogia, o que conjunturalmente (esperamos!) tem estado a nos inquietar. Convidamos a todos que estudemos e analisemos o nosso percurso comum como povo: De onde viemos, onde temos chegado, onde queremos ir, qual o nosso desiderato (o que queremos alcançar!) como povo e como nação.De igual modo, convidamos também a todos, para juntos tentarmos analisar as causas intrínsecas ou subjacentes, que poderão estar por de traz deste fenómeno com pretensão de encontrar gazadju entre nós, o que certamente não podemos nem devemos permitir!
Consideramo-nos, e durante todo o nosso percurso temos sido considerados como sendo um país de morabeza e um povo de brandos costumes, onde, a partir da conquista da nossa soberania, parte considerável das liberdades e garantias dos nossos concidadãos têm sido respeitadas. Gabamos, de termos sido incluídos pela Freedom House, no quadro honroso dos países mais livres do mundo!
Do grupo dos PMA (Países Menos Avançados), passamos para os PDM (Países de Desenvolvimento Médio). Rejubilamos com tudo isto. Discursos oficiais nos grandes “Areópagos” deste nosso mundo, dizem que em termos globais estamos acima da média da maioria dos países africanos…que estamos no caminho certo!
É verdade que países com muitos mais recursos naturais do que nós, estão muito aquém do que temos realizado conjuntamente como povo e como nação!
O quadro que se pinta de Cabo-Verde, principalmente no contexto africano, é de um autêntico El Dorado!
A nossa História é o que ela foi: Quinhentos anos de colonialismo e exploração violenta. Nossos direitos foram negados e violados ab-initio, desde que pelo menos se fala de uma civilização cabo-verdiana, oficialmente desde 1462.A panorâmica global diz (com margem mínima de erro, acredito!) que crescemos como povo e desenvolvemos bem. As alternâncias politicas democráticas e pacíficas no nosso país tem sido aplaudidas à escala planetária. Temos protagonizado de facto algumas conquistas e o povo cabo-verdiano é incontestavelmente inteligente. Mas isto não é e não deve ser tudo!
Tememos que o nosso país esteja a transformar-se numa plataforma ou tabuleiro de jogos de interesses trans-continentais, e que o crime organizado assente aqui arraiais. Não podemos nem devemos aceitar dinheiro de “plástico” (sujo)!
Em tempos idos, «Grão Pará e Maranhão» e outras Companhias duvidosas fizeram-nos companhia e acabaram levando ao vento nossa pequena economia insular, que teimosamente tentava germinar. Foram-se embora (pelo menos antes sozinhos do que mal acompanhados!) deixando cacos e cinzas…estávamos abaixo da linha de água, com fome e morrendo-nos à fome. Acto contínuo, fomos para as quatro partidas do mundo, ás vezes de livre e espontânea vontade, outras vezes por um decreto, à força!
Precisamos e devemos perdoar aqueles que nos atormentaram, com certeza, mas as lições da História são inexoráveis e inapagáveis. Hoje não há lugar para escravidão de espécie alguma nem qualquer subserviência!
Durante largos séculos vivemos sem dignidade. O nosso percurso como povo nunca foi e não tem sido fácil. Fomos fustigados por fomes e secas cíclicas, e as nossas cabras nos “ensinaram a comer pedras”, como disse o poeta das ilhas. De 1975 para cá, em tarefa ciclópica temos estado a juntar os tais cacos e a sacudir as cinzas, tentando fazer alguma coisa para que não cotinuemos a «comer pedras», e as nossas gentes continuem de mãos estendidas quase ad eternun, em busca de auxílio alheio. Inquieta-nos uma certa violência (acreditamos que conjuntural e circunscrita in su sítio!) e não podemos nem devemos ficar calados e deixar os «cães a ladrar» e outras «caravanas ameaçadoras» a passar, fazendo estragos. NOSSA LEGÍTIMA INDIGNAÇÃO , BEM COMO A NOSSA REPUGNAÇÃO TEM DE SE FAZER SENTIR. Terá de se ouvir o «mugir do touro», dizendo basta. Os arrivistas, os nouveaux suspet riches, os barões da droga, a “autoridade paralela” não podem nem devem «dar cartas» e ditar as «regras do jogo»!
A globalização é hoje uma palavra mediática, usada e abusada pela “intelectuária” e pelas turbas imperialistas, como se fosse uma palavra mágica, a panaceia vinda do Sésamo, e de repente o conceito “Iluminado” dos seus mentores.Fala-se da globalização a boca literalmente cheia, mas ecoando em outros estômagos roncando de fome.É verdade que o antípoda, hoje, é nosso vizinho. Cabo-verde está à distância de um clik no computador, da China e outros extremos do globo. Fala-se também, gabando do termo globalização, escamoteando-se outras globalizações do passado, grandes saques globais perpetrados por pirtasa sem forntieras, dos quais, nós também fomos vítimas sobreviventes!
As ruínas da novel Cidade de Santiago de Cabo-Verde (“Cidade Velha”), antiga Ribeira Grande, ao sul do arquipélago, falam por si só.
No século XVI, por exemplo, Jacob Fugger provoca a falência de várias empresas europeias de extracção de cobre, comprando-as depois por um preço irrisório. Ao morrer em 1525, deixa uma fortuna de cerca de 2.000.000 de florins.Depois, parte desse dinheiro é usado pelo seu sobrinho Anton Fugger, para financiar expedições de invasão, conquista e colonização por europeus na América do Sul, México e Índia, empreendimentos com lucros de até 1.000% (mil, isso mesmo!)...Globalização. Então e hoje, havia e há uma lei que pretende estar acima de tudo e todos, a lei do negócio.
É século XXI.Nesta nossa época pós modernista: Exotérica, ferozmente materialista e altamente digital, alguns sentenceiam que «Deus está morto». Nesta lógica, toda uma forma de pensar, de agir e de estar baseadas em princípios religiosos de matriz judaico-cristã, dá lugar a uma sociedade em que a lei maior é a lei do mercado e da tecnologia.Como disse alguém, com muita sabedoria, “temos então o perfil de um homem recriado, desta feita à imagem e semelhança não de Deus, mas sim à imagem e semelhança da máquina” Homem esse, terrivelmente materialista, vivendo em função dos desejos carnais em busca de sensações fortes e radicais…Em busca desesperada de substituir Deus!
Nesta nova tendência global e globalizante, o que nos aguarda e o que pode estar reservado para o nosso país? Estamos na era desta outra (nova) globalização (com fachada altruista, mas egoísta em ultima análise!) que engole os mais pequenos em seu ventre elástico. No Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, Brasil, a médica cubana Aleida Guevarra, filha do célebre Ernesto Che Gevarra, queixou-se de que não pôde tratar convenientemente uma criança do seu país, porque a empresa americana detentora da patente do referido medicamento estava proibida de vendê-lo em Cuba.A Coca-cola, essa já chegou aos antípodas, cruzando oceanos. A política do isolacionismo de alguns, o pragmatismo e a realpolitik de outros, o maniqueísmo (de um certo Manes ou Maniqueu, filósofo persa que acreditava que o universo se rege por uma luta de contrários), a guerra entre civilizações, e a pretensão imperialista e hegemónica de outros, tem posto «toda a criação a gemer» …Esperando a Redenção!
E nós pequeno país (grande pelos seus homens e mulheres!) qual é e terá de ser o nosso desígnio e o nosso propósito? Resistir. Cultivar uma cultura de trabalho, não importando “lixos” e modelos multi-continentais que nos aliena, não sermos subservientes…enfim, “mugir à touro” e sermos nós mesmos, autênticos, com a nossa catchupa e a nossa morna.Com o nosso feijão e a …nossa cultura, lembrando o nosso memorável Norberto Tavares quando cantou com propriedade: “Se pa bu Npinha bu terra.Kubri bu kasa cu padja.Fasi kanderu di pulga seku um sera.Kumi cuzcuz pa pon, kubri ku peli boi…”. Não somos contra o desenvolvimento (real!) e os benefícios da tecnologia de ponta. Somos sim, contra uma tentativa suicida de se procurar o desenvolvimento a qualquer preço. Somos contra qualquer projecto de um Cabo-verde global e globalizante, que mina a nossa resistência e nos aliena…fazendo com que “nós não sejamos mais nós”. Na alienação perde-se a identidade e a compostura. Alucina-se e stressa-se.Perdem-se valores e o bom senso, vencendo a lógica do desequilíbrio e a lei da barbárie, do lucro fácil…a inversão de valores encontrando assim terreno fértil.
Estamos chocados com uma certa violência (acreditamos e gostaríamos que fosse realmente conjuntural e passageira). Não vamos ter a táctica da avestruz, ingénua e suicida. Vamos dizer aos roubadores e queimadores do mundo e de Cabo Verde em particular, que não queremos nenhuma forma de violência, e nem imposições económicas e culturais alheias, que nos descompensam. Pode-se até, com sofisma, tentar-se argumentar que “sozinhos não somos viáveis como país”. Mas isso logo se verá. Não vamos é vender-nos aos outros.Hoje por hoje, se não formos Por, seremos quase com certeza vistos como do Contra.Esta nossa civilização globalizante é tendenciosamente dualista mas…Valha-nos Deus.Outra vez, não vamos ser subservientes. Não vamos fazer o jogo dos outros!
Preocupa-nos observar que este nosso tão falado e embandeirado desenvolvimento, não seja sustentável, pelo menos, por enquanto.Estamos acriticamente, importando modelos transcontinentais e de forma passiva e resignada a aceitar expedientes de um jogo global que não faz contemplações. E o pior, é que a grande maioria dos cabo-verdianos tende a se enveredar por um estilo de vida pelo qual não tem suporte financeiro real, querendo viver em “castelo de arreia”. Nosso “bolo comum” continua pequeno, com tantos filhos “á mesa”, uns com fatias gordas e outros catando migalhas.Não devemos, e nunca deveríamos ceder na Golden share que protege os nossos interesses nacionais, sob pena de tornar-nos estrangeiros em nossa própria terra!
-Diz-se que estamos mais ricos globalmente, mas a verdade cristalina, cortante, nua e crua é que há mais desigualdades…E isso sugere alguma violência e consequente insegurança!
-Constatamos que há um certo “deixar andar”, quanto ao consumo e tráfico de drogas…E isso projecta alguma violência e consequente insegurança!
-Evidencia-se algum sinal externo (suspeito) de riqueza, e não há investigação séria. Quase sempre, apenas o “passador” de “padjinha” vai preso.Falta moralização nas e das instituições públicas e privadas…Isto também convida a uma certa violência e consequente insegurança!
-Passou-se também aqui, a ser-se maniqueista: “Eu sou bom e o aquele é mau…E isso lança algum gérmen de certa violência e consequente insegurança!
-Há algum racismo sim…o outro, africano do continente é “tudo mandjacu”…E isto semeia, de modo latente, alguma sugestão de violência e consequente insegurança!
-O homem cabo-verdiano é quase invariavelmente machista, e a mulher cabo-verdiana já não consegue viver sem telemóvel e andar de Nissan Patrol ou Prado…Isto cria rijas, algumas vezes violentas e consequente insegurança!
-Nossas crianças e os nosssos jovens (mais de 70% da população) não são prioridades verdadeiras no nosso país. Deixamos os nossos filhos sob os “cuidados” do computador, da Internet, dos D.V.Ds e dos Vídeo games, muitas vezes eróticos e violentos…A porta entre aberta para algum tipo de violência e consequente insegurança!
-Uma espécie de versão cabo-verdiana do Crime Partners(Parceiros do Crime), vinda de outras latitudes (bebendo da ira, não poupando nem a Justiça Criminal), tem exteriorizado…por vezes violência letal e consequente insegurança!
-Há deficit de autoridade, faltam referências, falta civilidade, falta educação…falta família.Na ausência da ordem …Instiga-se violência e consequente insegurança!
-As denominações religiosas precisam encetar uma forte Educação espiritual e cívica, bem como uma intervenção familiar e social engajada. Sem integração plena na família e na sociedade…O caminho está aberto para algum tipo de violência e consequente insegurança!
ESTAMOS COM UMA SOCIEDADE EM STRESS…O QUE SUJERE E MOTIVA ALGUMA VIOLÊNCIA. E CONSEQUENTE INSEGURANÇA!
Concluindo.Sugerimos uma de nação com novos paradigmas sociais, baseados em valores civilizacionais e morais. Temos apenas trinta e quatro anos, como país que conseguiu a sua soberania… Ainda vamos a tempo de algumas correções. Sim nós podemos e devemos!
Se o país é laico, conferindo ás instituições um carácter não religioso, portanto, secular, que o seja não apenas no papel e na retórica, mas sim na realidade ena prática. Que haja equidistância no tratamento ao diferente, transparência, lisura, respeito igual, tanto pelas maiorias bem como pelas minorias…onde a Comunicação Social do estado (!) deve desempenhar um papel verdadeiramente de interesse público, transmitindo didática e moralidade . No fundo, o que estamos encarecidamente pedindo a todos nós (!) é um país e uma sociedade com uma cultura de solidariedade, tolerância, respeito, trabalho e…não-violência pessoal nem social.Com uma liderança firme e verdadeiramente comprometida e com referências...com mais família, caso contrário, nossos filhos e netos estarão nos cobrando uma factura pesadíssima e a História nos julgará a todos por aquilo que fizermos e/ou não fizermos hoje.
Não pretendemos ser fundamentalistas religiosos ou pseudo moralistas, substituindo um estado constitucionalmente laico por qualquer Teocracia doentia. Estamos convictos e seguros isso sim, que “Bendita é a nação cujo Deus é Senhor!”
A nossa matriz cristã sugere-nos a olharmos para Deus.Então façamos isso com temor e confiança. Aí sim, acredito, o nosso desenvolvimento deixará de ser apenas retórico e virtualmente sustentável e sustentado, para ser definitivamente sustentado e venha a sustentar verdadeiramente a todos os cabo-verdianos…E ISSO VAI CLARAMENTE SUGERIR E MOTIVAR A NÃO-VIOLÊNCIA E CONSEQUENTE SEGURANÇA E PAZ SOCIAL.VALHA-NOS DEUS!

«Até quando, Senhor, clamarei eu, e tu não me escutarás? Gritarei: violência! E não salvarás?»
Habacuque 1:2


Com elevada consideração, respeitosamente!

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